quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

QUEBRADIÇO

Há o borbulhar do aquário.
O peixe só nas falas da água.
Para ele as bolhas eternizam a água.
Eternizam o que a água é para ele.
Ele, o foco para onde convirjo agora.
Não tem o aspecto esperado.
Não se preocupa com os olhos em volta.
Não dá espetáculo.
O borbulhar é uma canção.
A voz que conversa com ele.
Durante toda a noite a voz lhe dirá.
Há bastante eloquência nesse fato.
O universo e sua força em cada onda.
O universo e sua andança de motor.
Há motor e tubos na UTI do aquário.
Viverá o peixe enquanto tiver ração.
Se há emoção, é a nossa que lhe reflete.
Se há razão, é a nossa de pouco siso.
Ele vai pra cima e pra baixo e não sabe
Que o enganamos com um mundo quebradiço.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

SONOEMFLU

Ouço as escolas de samba e é como se não.
Tento escrever numa linguagem que não.
Desvinculado o ouvido dos dedos, é assim.
Meus pés se mexem ao comando de quem
Eu penso que sou neste momento que passa.
Me encosto no ar antes do encosto
.Ouço as vozes que me falam sempre.
Vozes que me pedem, que me afugentam
De um carinho que perdeu medidas,
De um carinho que se esqueceu.
Movo a cabeça, movo os ombros,
E isso me diz que vivo, que tenho cérebro,
Que tenho substâncias químicas que me endereçam
A emoções que estavam na alma quando.
Quando eu acreditava na alma e na benção das seis.
Seis eram as horas irmãs de eu não pensar.
As horas de eu rezar e esquentar o ser.
Ouço as escolas crescendo no som que sinto.
Ouço o fogo do quarto pegando fogo.
E é como se não houvesse a diferença.
A diferença que faz o dia de hoje.
O suor escorre o cheiro de ontem.
E logo serei como milhares de corpos.
Estarei horizontal no relevo do colchão.
E será o sono o rei do corpo em fluxo.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

EVAS-LILITHS

Mulheres - Lúcias, Nísias Florestas,
Simones de bom voar, Márcias,Cibellys, Cidas, Éricas, Julianas,
E todas mais da vida e de álem,
Suficientes para preencher
Mil dias da Mulher e muito mais.
Data que é bela poesia de infindos pilares,
A sustentar universos de mentes e corações..
Neste e em outros tempos,
Ontens nos hojes de amanhãs,
Belas, feias, baixas, altas, pobres, ricas
,Traçam auroras e revolucionam
Inenarráveis florestas de atitudes,
No cotidiano, ganhando os dias
Com suores nos rostos e muito amor,
Mas muito amor, em suas expressões.
De tão femininas, extrapolam a femililidade,
Atravessando o espaço e o tempo
No íntimo de homens bestificados
Com o róseo que se estabelece em seus seres.
Mulheres brasileiras, herdeiras de Nísia Floresta,A
quela uqe ousou tirar a agulha dos dedos do Império
E desatrelou o espartilho que desfigurava moças
E colocou o livro e suas majestosas letras
No colo de Eva, com Lilith soprando aos ouvidos.
Nísia Floresta, mulher coragem e força e ânimo,
Dezenas de livros te fazem viva em todas
As mulheres que alargam os horizontes teus.
De teus quatro nomes Gilberto Mendes
Faria uma sinfonia.
E eu sou apenas um homem preso às convenções da vida
Tentando a admiração transcendente no manejar dos versos
,A sentir o jardim das mulheres, cuja vida e cor
Constroem novos homens, fruindo a civilização
Numa disposição mais calma e solidária.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

VOU LHES CONTAR UMA HISTÓRIA....

(VOU LHES CONTAR UMA HISTÓRIA
QUE ACONTECEU COMIGO
ELE COMEÇOU DIZENDO ASSIM:)
Quem gosta de capitalismo gosta de pensar que sabe tudo sobre ele.
Quem gosta de socialismo gosta de pensar que sabe tudo sobre ele.
E eu estou aqui, olhando o teu sapato.
Olho tua garota e tenho orgasmo.
Olho tua família e tenho inveja.
Um dia, eu trabalhei.
Já li livro.
Mas hoje é você que me interessa.
Te invejo.
E assim te condeno ao final.
Por isso, aqui te mantenho amarrado.
Por isso, sequestrei tua família.
Por isso, odeio tua cara bonita.
E agora vou te cortar
Pra tua cara ficar igual a minha.
Depois, vou dar um fim, vou te fazer.
Senão, cê vai me reconhecer.
Entenda.
Não tenho uma vida igual a tua.
E amanhã preciso achar outra família
Igual.
Você falaria sobre caráter
Se eu te soltasse?
Não, você me pediria pela própria vida.
Pois no fundo sua sobrevivência te importa.
A mim, importa a minha.
Mas, veja.Logo logo tudo vai acabar
.(E ASSIM QUASE FOICONSEGUI DOMINAR O MELIANTE
MATÁ-LO PICÁ-LOTAVA CHAPADO COMO EU TAVA ONTEM
E PASSEI POR CIMA DO PICADINHO
COM MEU CELTA PRETO...
CÊS QUEREM ENGOLIR UM...???)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

HOJE E AMANHÂ

Aqui o espírito feito de carne come.
É a sua forma de oração.Bebe.
É a sua forma de comunhão.
Que todos sejam alimentados.
Que todos matem a sua sede.
Pudesse eu ajudar a matar.
Matar todas as sedes do mundo.
Mas que pretensão envaidecida!
Quem pode isso fazer
Sem se comer?
Que todos sejam.
Que todos matem.
Que todos vivam.
Quem pode ajudar a viver
Sem se comer?
Pudesse eu ajudar na lição.
Mas há muito tempo estudei.
E as lições eram mais rápidas.
Hoje se aprende e se esquece.
Hoje se muda e amanhã se mudará.
Não há constância.Hoje a pobreza.
Amanhã, melancolia.
Embora, uma e outra se pareçam,
Só a segunda gera poesia.
- Pudesse eu ter mais tempo
Pra agradecer a panela vazia!
Assim, não como e não luto pra comer.
É o que me disse o hamster
Antes de morrer na calçada
Perto de viver.
Viver e morrer estão bem perto.
Hoje, melancolia.
Amanhã, pobreza.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

UM ÓDIO QUE ME AME

Quero andar com o queixo no peito.
Enjoos me dá o sorrir de coisas e gentes.
Com um cravo ligarei o queixo ao tórax.
Quero andar de queixo no peito.
Quero alcançar um porre além.
Lá chegarei de queixo ao chão.
Cansam-me rostos que vejo sempre.
Cansam-me os passos que chegam e param.
Não quero ser o social.
Aquele que todos entendem.
Aquele que todos admiram.
Preciso do ódio simplesmente.
Um ódio que me ame.

DESDE O CRÂNIO COM SIMONE

Este é o tempo.
Tempo de existir.
Tenho que fazer
O que a respeito disso?
Existir como sujeito das próprias ações?
Pisei o jardim.
Mas as flores estão inteiras.
O cão à espreita tem pudores.
Foi criado por um leão manco.
Estou com a mente enevoada.
Tenho de continuar.
Confesso que quis parar.
Mas o tempo não voltaria.
Se eu enxergasse o cão como cão
Ou o leão como leão
Seria dominado por um teatro de sombras
.Tenho de continuar.
Veja como pareço objetivo.
Veja como se escondem as tristezas.
Veja como os meus pés tortos se escondem.
E tem um anjo negro que insiste
Em me dar esperanças de luz.
Quer me colocar pra cima.
Quer que eu atravesse o muro.
Tenho de prosseguir.
Veja como pareço burguês.
Veja como a gola está disposta.
Veja como meu nariz se exibe.
Tem um anjo negro que sorri
Um sorriso que me faz pensar em sexo.
Quer me elevar esse anjo-mulher e
Como leões e cães me morde.
Careço de olhos, mas tenho de continuar.
Me alimento de olhos.
Só olhos me sustentam.
Desde a Santa Ceia de Simon
eUsando o crânio de Sartre
Sei que este é o tempo.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

PROFISSIONAL


Ele olhou para eles e disse:

Vejam que não quero que me escutem com submissão.

Primeiro, me despedacem.

Não esperem que eu chegue até aí.

Eles continuaram a preparar o espetáculo.

Vez em quando olhavam para ele.

Comiam a Santa Ceia com piedade.

Pisavam as ervas amargas da travessia.

Saudem-se calorosamente.

Eles o ouviam com desdém.

Primeiro, o espedaçaram.

Não esperaram que ele chegasse.

Ele não pode continuar a falar.

Vez não teve em Jerusalém.

Comiam o respeito, no sangue

Que se derramava dos fragmentos

Do ator profissional e eles riram,

Enquanto o tempo se preparava

Para cobrí-los, tal qual sempre faz

Com todos os santos dos santos.

JÁ PASSEI


Feliz aniversário.

Que tudo se realize.

Que eu esteja perto

Pelo menos,finja

Eu alguma esfinge.

Quer seja em pensamento.

Quer não.

No mesmo limbo.

Furado, no ringue

A mesma luva cubra

Nossas mãos bilíngues.

Feliz aniversário.

Que tudo se realize.

Quer eu esteja morto

Por Brahman ou Arimahn.

Quer eu esteja vivo

Por tardes ou manhãs.

Quer jorre alheia chaga.

O mesmo soco atinja

E vibre e se abra

Neste purulento ano.

Feliz aniversário.

Mesmo que esteja longe

A razão.

Mesmo que esteja perto

O chip do amor.

Mesmo que nunca seja

O mundo dos Jetsons.

Mesmo que sempre esteja

No inverno o sentimento

Amarelo e fingido.

Feliz aniversário

A quem faça.

Eu???

Já passei do horário

Da Graça.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

E A CASA BALANÇA


Sem precisar mostrar qualidade, a dor do artista fingidor comove.
Está sempre nas tetas do poder, MESMO COM PROBLEMAS JUDICIAIS.
Seu espetáculo anual precisa de mais e mais recursos.
Geralmente, faz parte de um grupo onde estão as mesmas pessoas na presidência, desde Cabral.
Ou faz parte de um grupo onde o rodízio seja um engodo e a cara de AF na Presidencia do grupo seja equivalente a cara de FA.
Precisa estar preso à política para sobreviver.
Sabem cooptar artistas sensíveis...e como o artista sensível é um duro e um comovido, enfiam dinheiro em suas fuças, ou ajudam sua mãe doente.
A ÉTICA fica sob os pés de Brahma - o nume do Artista Fingidor.
O Artista Fingidor é expert em levantar as mãos com arte, pois pensa que sabe a chave da sedução do Artista Sensível.........
Um dia a casa cai.

A TEMPO


Pela CAM, dois cães "humanos" da República da índia ("cachorro também é gente"):
- Pedir demissão e montar uma ONG qualquer?
- Talvez seja melhor a gente montar carrocinha de cachorro-quente.
É mais honesto...
- Não, não. Sabe as 4 legiões sustentadas pela Mãe Joana o ano passado?? A gente faz igual.
- Sei, aquelas cujos integrantes foram presos.
- Então..Tinha artista participando em todos os grupos. Recebendo pelos 4.
- Mas a lei não proibe isso?
-Proibe. Mas a gente pode rasgar a lei como eles....O nº é....Lei nº.......Perguntemos amanhã pro James Bond Killer.
-Ele está vendo filme antigo do Bogart, comendo pipoca de microondas.
-Não é Casablanca, é?
-É, de novo. Ele gosta. Fazer o quê?
-Então, vamos amanhã.
- Certo.....Acho que.....estou com sono.
Bocejou e foi dormir, depois de mijar no poste (DESVIANDO DO JORNAL DO POSTE - PRIMEIRA EDIÇÃO-RARIDADE) e desligar o PC.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O SAMURAI IDOSO

Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que adorava ensinar sua filosofia para os jovens.
Apesar de sua idade, corria a lenda que ele ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali.
Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos contra-atacava com velocidade fulminante.
O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta.
E, conhecendo a reputação do velho samurai, estava ali para derrotá-lo, aumentando sua fama de vencedor.
Todos os estudantes manifestaram-se contra a idéia, mas o velho aceitou o desafio.
Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre.
Chutou algumas pedras em sua direção, gritou todos os insultos conhecidos - ofendeu inclusive seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho mestre permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se. Desapontados pelo fato do mestre ter aceito tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram
Como o senhor pode suportar tanta indignidade?
Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós ?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?- perguntou o velho samurai.
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre.
Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carrega consigo.

REVELAÇÃO

Bens da Paixão.
Males da mesma.
Em cima de mágoas, angústias.
Até que ponto, a cruz do Cristo se imobiliza.
Até que ponto o ator, o diretor, o assessor,
o iluminador, o sonoplasta, e mais astas e istas,
herdam as chagas.
Vaidades, ambições, raivas, desejos,
interesses, até que ponto geram feridas em nossas mãos?
E os mal-entendidos, e os pés feridos, e a mente gasta.
Parece que as feridas jamais irão se curar.
Parece que os ódios serão eternos,
não só na Faixa de Gaza.
O desprezo, o controle, o âmago do ser,
sempre amargando, amargando, amargando.
É esse o dom do Homem?
Neste Homem gerado patriarcalmente,
cabe o ente Mulher?
Carregam elas cruzes.
As cruzes de si mesmas.
Não reconhecem que as feridas
estão sangrando do ladoe elas perdem a oportunidade
de serem uma só.
É a Paixão sendo revelada.

SERAQUE

Será que vai chover?
Ah, se ao menos chovesse!
Mas não chove.
Assim, o solo seco sofre.
Mas o que meus pés tem a ver
Com o solo seco que cresta,
Com seus pés também rachados,
Em gritos de ausente sola?
Quer água, mas quem a dá.
Será que vai arder
Pra sempre este destino
Que eu me vou armando?
Será que vai chover?
Se ao menos chovesse!!
Mas não chove.
Assim, o poeta seco chora

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

BRUZUNDANGAS - TRECHOS


Falar sobre os pretensiosos literatos de BRUZUNDANGA é falar sobre os pretensiosos literatos de BRUZUNDANGA.
TRECHO ESPECIAL DA OBRA BRUZUNDANGAS:
Capítulo especial
Os Samoiedas
Vazios estais de Cristo, vós que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. São Paulo aos Gálatas
Queria evitar, mas me vejo obrigado a falar na literatura da Bruzundanga. É um capítulo dos mais delicados, para tratar do qual não me sinto completamente habilitado.
SUA EXCELÊNCIA
O ministro saiu do baile da embaixada, embarcando logo no carro. Desde duas horas estivera a sonhar com aquele momento. Ansiava estar só, só com o seu pensamento, pesando bem as palavras que proferira, relembrando as atitudes e os pasmos olhares dos circunstantes. Por isso entrara no coupé depressa, sôfrego, sem mesmo reparar se, de fato, era o seu. Vinha cegamente, tangido por sentimentos complexos: orgulho, força, valor, vaidade.
Todo ele era um poço de certeza. Estava certo do seu valor intrínseco; estava certo das suas qualidades extraordinárias e excepcionais. A respeitosa atitude de todos e a deferência universal que o cercava eram nada mais, nada menos que o sinal da convicção geral de ser ele o resumo do país, a encarnação dos seus anseios. Nele viviam os doridos queixumes dos humildes e os espetaculosos desejos dos ricos. As obscuras determinações das cousas, acertadamente, haviam-no erguido até ali, e mais alto levá-lo-iam, visto que só ele, ele só e unicamente, seria capaz de fazer o país chegar aos destinos que os antecedentes dele impunham...
E ele sorriu, quando essa frase lhe passou pelos olhos, totalmente escrita em caracteres de imprensa, em um livro ou em um jornal qualquer, Lembrou-se do seu discurso de ainda agora:
"Na vida das sociedades, como na dos indivíduos"...
Que maravilha! Tinha algo de filosófico, de transcendente.
Os literatos, propriamente, aqueles de bons vestuários e ademanes de encomenda, não lhes dão importância, embora de todo não desprezem a literatura oral. Ao contrário: todos eles quase não têm propriamente obras escritas; a bagagem deles consta de conferências, poesias recitadas nas salas, máximas pronunciadas na intimidade de amigos, discursos em batizados ou casamentos, em banquetes de figurões ou em cerimônias escolares, cifrando-se, as mais das vezes, a sua obra escrita em uma plaquette de fantasias de menino, coletâneas de ligeiros artigos de jornal ou num maçudo compêndio de aula, vendidos, na nossa moeda, à razão de quinze ou vinte mil-réis o volume.
A Bruzundanga, como sabem, fica nas zonas tropical e subtropical, mas a estética da escola pedia que eles se vestissem com peles de urso, de renas, de martas e raposas árticas.
Bruzundanga, três dos seus novos e soberbos vates; estavam ali: Kotelniji, Wolpuk e Worspikt, o primeiro que tinha aplicado o vernier para "medir" versos.
Num dado momento Kotelniji disse para Worspikt:
— Gostei muito desse teu verso: — "há luna loura linda leve, luna bela!"
O autor cumprimentado retrucou:
— Não fiz mais do que imitar Tuque-Tuque, quando encontrou aquela soberba harmonia imitativa, para dar idéia do luar—"Loga Kule Kulela logalam", no seu poema "Kulelau".
Wolpuk, porém, objetou:
— Julgo a tua excelente, mas teria escolhido a vogal forte "u", para basear a minha sugestão imitativa do luar.
— Como? perguntou Worspikt.
— Eu teria dito: "Ui! lua uma pula, tu moo! sulla nuit!"
— Há muitas línguas nela, objetou Kotelniji.
— Quantas mais, melhor, para dar um caráter universal à poesia que deve sempre tê-lo, como ensina o mestre, defendeu-se Wolpuk.
— Eu, porém, aduziu Kotelniji, conquanto permita nos outros certas licenças poéticas, tenho por princípio obedecer às mais duras e rígidas regras, não me afastar delas, encarcerar bem o meu pensamento. No meu caso, eu empregaria a vogal "a" para a harmonia em vista.
— Mas Tuque-Tuque... fez Worspikt.
— Ele empregou o "e" no tal verso que você citou, devido à pronunciação que essa letra lá tem. É um "e" molhado que evoca bem o luar deles, mas...
— E com "a", como é? indagou Wolpuk.
— O "a" é o espanto; seria ai o espanto do homem dos trópicos, diante da estranheza do fenômeno ártico que ele não conhece e o assombra.
— Mas Kotelniji, eu visava o luar.
— Que tem isso? Na harmonia em "a" também entra esse fenômeno que é o provocador do teu espanto, causado pela sua singularidade local, e pela hirta presença do iceberg, branco, fantástico, que a lua ilumina.
— Bem, perguntou o autor da poesia; como você faria, Kotelniji?
— Eu diria: "A lua acaba de calar a caraça parva".
— Mas não teria nada que ver com o tema da poesia, objetou Wolpuk;
— Como? O iceberg toma as formas mais variadas... Demais, há sempre onde encaixar, seja qual for a poesia, uma feliz "imitativa".
— Você tem razão, aplaudiu Wolpuk.
Worspikt concordou também e prometeu aproveitar a maravilhosa trouvaille do amigo de letras.
Kotelniji era considerado como um grande poeta "samoieda" e tinha mesmo estabelecido com assentimento de todos eles, as leis científicas da escola perfeita, "a samoieda", que ele definia como tendo por escopo não exprimir cousa alguma com relação ao assunto visado, ou dizer sobre ele, pomposamente, as mais vulgares banalidades.
Dentre as leis que estatuía, eu me lembro de algumas. Ei-las:
1.ª — Sendo a poesia o meio de transportar o nosso espírito do real para o ideal, deve ela ter como principal função provocar o sono, estado sempre profícuo ao sonho.
2.ª —A monotonia deve ser sempre procurada nas obras poéticas; no mundo, tudo é monótono (Tuque-Tuque).
3.ª —A beleza de um trabalho poético não deve ressaltar desse próprio trabalho, independente de qualquer explicação; ela deve ser encontrada com as explicações ou comentários fornecidos pelo autor ou por seus íntimos.
4.ª —A composição de um poema deve sempre ser regulada pela harmonia imitativa em geral e seus derivados.
E muitas outras de que me esqueci, mas julgo que só estas ilustram perfeitamente o absurdo da qualificação de leis científicas da arte. Alhos com bugalhos!
Denuncia tal denominação, de modo cabal, a sua incapacidade paragrupar idéias, noções e imagens. Que pensaria ele de ciência? Qual era a sua concepção de arte? Será possível decifrar essa história de "leis científicas da arte"? Qual!
Era assim o grande poeta samoieda.
Além de uma gramaticazinha que nós aqui chamamos de tico-tico e da arte poética de Chalat aumentada e explicada com uma lógica de gafanhotos, não possuía ele um acervo de noções gerais, de idéias, de observações, de emoções próprias e diretas do mundo, de julgamentos sobre as cousas, tudo isso que forma o fundo do artista e que, sob a ação de uma concepção geral, lhe permite fazer grupamentos ideais, originalmente, criar enfim.
A importância do vate lhe vinha de redigir A Kananga, órgão das casas de perfumarias, leques, luvas e receitas para doces, onde alguns rapazes, sob o seu olhar cioso, escreviam, para ganhar os cigarros, algumas cousas ligeiras.
O bardo samoieda tomava, entretanto, a cousa a sério, como se estivesse escrevendo para a Revue de Deux Mondes uma fórmula de mãe-benta; e evitava o mais possível que alguém tomasse pé na pueril A kananga. Era essa a sua máxima preocupação de artista.
De todos os postiços literários, usava, e de todas as mesquinhezas da profissão, abusava.
Era este de fato um samoieda típico no intelectual, no moral, no físico. Tinha fama.
Poderia mais esclarecer semelhante escola, os seus processos, as suas regras, as suas superstições; mas não convém fazer semelhante cousa, porque bem podia acontecer que alguns dos meus compatriotas a quisessem seguir.
Já temos muitas bobagens e são bastantes. Fico nisto.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

PEDAÇO DO SER


Acordo, e, neste acordar, o ser se instaura.

Começo a procura, a busca do vento e seu sumo.

Os chinelos, seu rastro e seu cantar rascante,

E no olhar pétalas de lábios, sonhos

Ignoram o solo onde me espanto

De não rever o rio que escorre em rugas,

Onde navego de barcos nos pés.

E, no entanto, a quilha à frente espuma.

E abordando o ser, teço bordados

Em torno da imagem que infinita

Ao projetar na escrita minha fome.

PAIXÃO


Paixão de Cristo,

misto de chão

com céu,

onde tantos e tantos

representam santos

e ou demônios.

Paixão, sendo de Cristo

ou de atoresdando os seus risos,

dores,sempre dão mais que sentido,

mais que conceitos,

sacrifícios

com cores.

Paixão de Cristo,um espetáculo

que é de quem fervena arenado cotidiano.

De quem borbulha.

De quem superaos cravos nas mãos.

De quem mudao sentido do esgoto.

De quem ramificano peito o som humano.

De quem carrega a cruzno bairro escroto.

De quem vertee é rei mortaldos seus caminhos.

O Teatro verdadeironão serve a alguém ou grupo

tão somente

mas ao povo

muito mais

para quem realmente

interessa e que por dentro

o sente.

O MORTO - UM CONTO DE NATANAEL


Quando ele morrera, todos falaram de suas performances.
As pessoas do bairro riam ao lembrarem do ódio que tinham dele.
Tudo ficou leve e senhoras de idade passaram a visitar-lhe o túmulo todos os dias.
Vereadores fizeram umas tantas moções de aplauso.
Rememoraram certa vez em que, saboreando uma iguaria morena, caíra uma abóbora em seu nariz.
E outra vez em que roubara roupas de uma “drag”.
E ainda uma outra em que pendurara mulheres num varal para o gozo do vento.
Todos os fatos relembrados não mais causavam asco.
Foi sem esforço que conseguiram sua canonização.
O prefeito ergueu-lhe uma estátua em que seu membro sexual tinha um infinito comprimento.
As bandas da cidade tocaram na inauguração.
Os grupos de teatro apresentaram peças em que ele era o personagem principal.
Foi colocado nos livros de história. Criaram acontecimentos em que ele efetivamente não participara.
Todas as revoluções citadas referiam seu nome.
Todas as guerras ganhas, idem.
Todas as crianças nascidas a partir de sua morte receberam-lhe o nome.
O prefeito pedira até a mudança de seu próprio nome para o do morto.
Na cidade, todos os logradouros foram renomeados com o nome do falecido.
O estado foi renomeado.
O país foi renomeado.
Todos os paises, o planeta, as estrelas, constelações, as galáxias, os buracos negros – nesse momento deuses caídos gritaram: aí não, criatura! - até chegar à cara de Deus, encostado numa anã branca..
Como Deus era Deus desde o início, temendo a concorrência, explodiu e refez o universo, cuidando para que o nome do morto fosse esquecido.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

NÁUSEAS

Em cima, o título.

No meio, o espaço em branco.

Embaixo, publicar postagem.

Salvar.


Mas acontece que não há salvação

Não há remédio para essa escrita

Que não é feia nem bonita

E se faz ação que não liberta.


Não há libertação para esta carne

Cujo cheiro causa náuseas

Em quem é feito de folhas e arbustos.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

TEMPO


Está certo. Vou dizê-lo.

Sou intervalo, sou medo.

E vou assim pessoando

o ser como fez Fernando.

Sei que levo à raiva e sei

que até desperto rancor.

Entre um brâmane e um dalit,

sou do pó e mais que dele,

sou do além-pó que me embala

em seu verso pária.

Sou triste? Pra uns o sou.

Alegre, choro sem dor.

Se caibo na minha pele,

é que ainda não voou

o tempo que me emagrece.

Por mim, daqui não iria

o ser pleno em voz vazia.

Vê só. Foi-se uma hora.

E eu sem estar, vou pra lá,

bem longe, pr’além-nariz,

pra você bem se instalar.

Assim, o tempo se escoa.

E tento eu ser feliz

em minha tristeza à-toa.