FILADELFO – Estou besta com o que me contaram! Estou com a minha cara no chão! Por isso é que eu digo a vocês: Deus só freqüenta igreja vazia. E a igreja do Padre Belmiro tá sempre cheia. Entenderam? Se ele não fosse padre, eu dava-lhe um tiro na boca! Ela é tarada por batina. E ele é um tímido. Não confio. Todo tímido é candidato a um crime sexual. Como é ela que dorme comigo, é nela que eu bato. Todo dia! Não admito censura nem de Jesus Cristo. Não admito. Pois toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem. Isso é batata. Além do mais, a amo com um desejo doentio. Todo desejo é vil. Mas não sou infiel. E amar é ser fiel a quem nos trai. Concorda? Mesmo que seja em pensamento e com um padre. E como eu tenho dinheiro, e dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro, eu agüento o peso das galhas! Só que amor verdadeiro...não é só sexo. Sexo é para operário. Certo? Concorda? O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual. Depois, ao final, morre em definitivo, escravo das próprias taras. Todos têm taras. Vá dizer que tu não tem? Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante, entendeu?... (DELIRA) Minha tara são as suas dentadas molhadinhas. E isso de maneira normalíssima. Quando nos conhecemos, ela me alisava a calvície e dizia, com fúria de desejo: ‘ai, que careca mais imoral!’ E nos mordíamos a torto e a direito, da cabeça aos pés. Um dia posso pedir pra ela te morder. Quer? Sem dentada, não há amor possível. Em nossa cama, a metafísica é odontológica. A cama é um móvel metafísico. Só que (APROXIMA-SE) o que me dói é que ela da dentadas em todos os amantes. De um deles, me fofocam sempre. Um ginecologista. Dizem pra mim que o zebu vive exibindo as mordidas...Todo ginecologista devia ser casto. Não é? Antigamente, a mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera. Hoje, ninguém liga...O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro...Bem, quer dizer....Pensando melhor, minha mulher ia subir pelas paredes....não estou sendo coerente. Mas, olha. Escuta. Toda coerência é no mínimo suspeita. E eu não tenho certeza de nada. Contam pra mim, mas eu não vejo o ato. Só vejo saírem da cama, do armário, mas...depois, entende? Você sabe de alguma coisa de antes? O marido devia ser o último a saber. Aliás, o marido não deve saber nunca. A gente só é isso quando sabe, quando a gente vê, não é? Mas eu, por enquanto, não vi. Eu duvido do ato em si. A dúvida é a autora das insônias mais cruéis. Preferia que não me contassem. Não tenho amigo. Um amigo não inferniza a gente assim. (REFLETINDO) Amigo é um momento de eternidade. Mas estou no Brasil. O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Mas no Brasil são todos canalhas. Quem não é canalha na véspera, é no dia seguinte. Hoje, é muito difícil não ser canalha. Certa ocasião, ouvi o Nonato, aquele zebu, falar, e concordei. Disse que desistia da vida eterna. Por causa da pureza fedorenta de alguém. Preferia ser um canalha abjeto, capaz das bacanais mais horrendas.. A pressão da vida atual trabalha para a nossa canalhice pessoal e coletiva. Não é, hein? Fala. Olha, até menino é canalha, atualmente. Um dia, abri a porta do quarto e saiu da mulher um menino cobrindo as partes.... Não, ela não estava grávida. Até que eu gostaria de vê-la grávida. Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora. O menino não era bebê. Mas saiu de entre as pernas dela. Não de dentro. Pode acreditar. Hoje as coisas são assim. Certas épocas são doentes mentais, como a nossa. Sério. Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos....Talvez eu devesse procurar a morte. Deus prefere os suicidas... Mas eu não consigo. Olha meu coração. Põe a mão aqui. Olha. Te falo. De mãe pra filho. Este desgraçado aqui bate por uma infiel....Preciso saber onde ela tá (SAI).