domingo, 22 de março de 2009

PEDIDO


Quando cheguei aqui, pediram-me um poema de amor.
Disseram-me: se és poeta, um poema de amor é fácil.
Apesar dos pedidos, não larguei o dicionário.
Estava com fome e a fome é selvagem.

Desconfiaram então de meu talento, que eu não tenho.
Consegui enganar a todos que posso fazer um poema.
Por isso, pediram-me um poema de amor.
Logo a mim pediram, hoje, um poema assim.

Eu, que não entendo do amor nem um tiquinho.
Que quando amei, sim, escrevi sobre o amor.
Hoje, de manhã, vi o amor num espelho quebrado.
À noite, quando me sinto apto, o amor não aparece.

Mas eu já fiz um poema de amor. Quando??
Eu não me lembro, mas o fiz de asas brilhantes,
Com rosas no bico e pérolas nos olhos
E era este amor escravo da Beleza e de seu Anjo.

Era esse amor habitante de um planeta de lágrimas doces.
Em cada palavra, ontem, a promessa da maçã eterna.
Hoje, me pedem um poema de amor...
.....Espera, agora o vejo em ti, leitor que me lê.

terça-feira, 17 de março de 2009

PULO

Às vezes, dou cada pulo,
e consigo enovelar as nebulosasdo meu pensar que não chega a conclusão alguma.
As vezes, dou a impressão creme dental,
e todos julgam que sou um artista circensedomador de baratas risonhas.
As vezes, amo como um projétilama seu destino e escorro rubro
sobre a dor fina do afeto.
Mas consigo me ultrapassar escrevendo
a história impermanente de alguém como eu
que trabalha e se diverte como eu
que possui os meus mesmos amores
dando os mesmos pulos e quebrando
a ponte de madeira podre que me sustenta.

quarta-feira, 4 de março de 2009

ILUMINAÇÃO


Perdi a alma enquanto corria pra cá.Não percebi, precisava recolher o que perdera.E o transporte espacial nunca atrasou.Corri, a mais não poder.Fui deixando também as roupas.Enquanto corria para cá.Precisava pegar o transporte junto a vocês.Sei que vocês notam minhas cores agora verdadeiras.Sei que vocês notam. Meus pais me entregaram a alma quando eu engatinhava.O conceito de alma não nasceu comigo.Nasceu comigo apenas o receptáculo do Ser.Meu, o uníco dever de enchê-lo de idéias.Mas meus pais e amigos e inimigos chutaram o penico onde me acostumei a colocar a própria merda.Me deram uma alma cultivada na cultura patriarcal.Com ela, dominei as mulheres de Meu Pai e xeroquei seus livros sagrados.Até que percebi numa tarde, em algum país de dentro, que em mim algo maior que a alma borbulhava.E apenas soltei os botões que apertavam em mim a roupa tradicional da alma.Por isso, quando corri para cá, a perdi no caminho. Acho.Quer dizer, acho, por estarem soltos seus botões."De repente, ela se esconde entre suas unhas",me disse aquele monge/padre/pastor/feiticeiroque colocou sua perna para me impedir a corrida.

segunda-feira, 2 de março de 2009

A TEMPO


FILADELFO – Estou besta com o que me contaram! Estou com a minha cara no chão! Por isso é que eu digo a vocês: Deus só freqüenta igreja vazia. E a igreja do Padre Belmiro tá sempre cheia. Entenderam? Se ele não fosse padre, eu dava-lhe um tiro na boca! Ela é tarada por batina. E ele é um tímido. Não confio. Todo tímido é candidato a um crime sexual. Como é ela que dorme comigo, é nela que eu bato. Todo dia! Não admito censura nem de Jesus Cristo. Não admito. Pois toda mulher gosta de apanhar. Só as neuróticas reagem. Isso é batata. Além do mais, a amo com um desejo doentio. Todo desejo é vil. Mas não sou infiel. E amar é ser fiel a quem nos trai. Concorda? Mesmo que seja em pensamento e com um padre. E como eu tenho dinheiro, e dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro, eu agüento o peso das galhas! Só que amor verdadeiro...não é só sexo. Sexo é para operário. Certo? Concorda? O homem começa a morrer na sua primeira experiência sexual. Depois, ao final, morre em definitivo, escravo das próprias taras. Todos têm taras. Vá dizer que tu não tem? Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante, entendeu?... (DELIRA) Minha tara são as suas dentadas molhadinhas. E isso de maneira normalíssima. Quando nos conhecemos, ela me alisava a calvície e dizia, com fúria de desejo: ‘ai, que careca mais imoral!’ E nos mordíamos a torto e a direito, da cabeça aos pés. Um dia posso pedir pra ela te morder. Quer? Sem dentada, não há amor possível. Em nossa cama, a metafísica é odontológica. A cama é um móvel metafísico. Só que (APROXIMA-SE) o que me dói é que ela da dentadas em todos os amantes. De um deles, me fofocam sempre. Um ginecologista. Dizem pra mim que o zebu vive exibindo as mordidas...Todo ginecologista devia ser casto. Não é? Antigamente, a mulher que ia ao ginecologista sentia-se, ela própria, uma adúltera. Hoje, ninguém liga...O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um passarinho em cada ombro...Bem, quer dizer....Pensando melhor, minha mulher ia subir pelas paredes....não estou sendo coerente. Mas, olha. Escuta. Toda coerência é no mínimo suspeita. E eu não tenho certeza de nada. Contam pra mim, mas eu não vejo o ato. Só vejo saírem da cama, do armário, mas...depois, entende? Você sabe de alguma coisa de antes? O marido devia ser o último a saber. Aliás, o marido não deve saber nunca. A gente só é isso quando sabe, quando a gente vê, não é? Mas eu, por enquanto, não vi. Eu duvido do ato em si. A dúvida é a autora das insônias mais cruéis. Preferia que não me contassem. Não tenho amigo. Um amigo não inferniza a gente assim. (REFLETINDO) Amigo é um momento de eternidade. Mas estou no Brasil. O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro. Mas no Brasil são todos canalhas. Quem não é canalha na véspera, é no dia seguinte. Hoje, é muito difícil não ser canalha. Certa ocasião, ouvi o Nonato, aquele zebu, falar, e concordei. Disse que desistia da vida eterna. Por causa da pureza fedorenta de alguém. Preferia ser um canalha abjeto, capaz das bacanais mais horrendas.. A pressão da vida atual trabalha para a nossa canalhice pessoal e coletiva. Não é, hein? Fala. Olha, até menino é canalha, atualmente. Um dia, abri a porta do quarto e saiu da mulher um menino cobrindo as partes.... Não, ela não estava grávida. Até que eu gostaria de vê-la grávida. Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora. O menino não era bebê. Mas saiu de entre as pernas dela. Não de dentro. Pode acreditar. Hoje as coisas são assim. Certas épocas são doentes mentais, como a nossa. Sério. Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos....Talvez eu devesse procurar a morte. Deus prefere os suicidas... Mas eu não consigo. Olha meu coração. Põe a mão aqui. Olha. Te falo. De mãe pra filho. Este desgraçado aqui bate por uma infiel....Preciso saber onde ela tá (SAI).